segunda-feira, 31 de maio de 2010

Retornados, expoliados de Angola: Guidha Campelo



Quer conhecer a história de Margarida (Guidha)?
Seguem alguns textos de uma palestra no Colégio Sartre COC, em Salvador, sobre o tema, "Os horrores da guerra na África"
MARGARIDA TAMBÉM É NOME DE FLOR
(Sobre os Horrores da Guerra na África)
Por Adriana Luz (Professora de Redação)
Hoje ganhei um presente. Na verdade, ganho presente todos os dias. Sou uma mulher de fé, acredito em tudo o que minha mãe me ensinou. E trago comigo, todas as crenças, as rezas, as tradições...
Às vezes, me pego querendo quebrar alguns ensinamentos. Talvez porque eles me prendam a coisas que me parecem questionáveis... Mas, mesmo questionando, há coisas que não há como perder. E, sinceramente? Nem quero que se percam de mim. E uma dessas coisas é exatamente a minha fé em Deus e minha devoção por Maria, a mãe de Jesus. Sim, sou devota de Nossa Senhora. Acho que uma devota meio “capenga”, porque não chego nem um milímetro à altura da devoção que minha mãe tem pela Santa. Mas me considero devota. E protegida por Ela. E já tive várias provas disso. Em outro momento, talvez eu até escreva algo a respeito.
Mas, no momento, só quero agradecer a Deus, à Maria, aos céus, pelo presente que ganhei hoje em sala de aula.
Um presente com nome de Margarida. Com nome de flor! E eu que gosto tanto de flores...
Essa veio perfumar minha aula e deixar seu perfume impregnado nas mentes dos meus alunos... E minha!
Uma mulher. Uma mulher talvez como outra qualquer... Daquelas que sofreram por amor, que sofreram pela perda de entes queridos, pela perda de sua pátria... E pior, sem nenhuma explicação.
Uma mulher, talvez como qualquer outra... Que se casou, que teve uma filha...
Uma mulher, talvez como qualquer outra... Que vive apenas o dia de hoje... Não pensa no futuro, porque o futuro virá, de qualquer forma, talvez também sem explicação. E ela o viverá, porque aprendeu a viver assim, recebendo o que lhe vem... Como presente, ou como dor... Ela apenas vive...
Uma mulher, talvez como qualquer outra... Que poderia estar calada, ou vivendo a sorte que muitas mulheres de sua terra não tiveram...
Mas Guidha não é qualquer mulher... Ela é a tradução e a prova de que não só podemos transformar nossas dores em arte, tristezas em cores... mas especialmente transformar o mal que nos fizeram em atos concretos de solidariedade e compaixão...
E foi essa vida que ela veio mostrar hoje aos meus alunos em sala de aula. Uma aula que também poderia ser como outra qualquer, em que eu talvez estivesse no centro das atenções e meus alunos ali, tentando aprender comigo, enquanto eu, na verdade, é que aprendo todo os dias com eles...
Tanto isso é verdade que, hoje, aprendi com minha aluna Alice, (sua filha) do 1º ano 2, e com o grupo do qual ela fazia parte que, realmente, a verdadeira escola é aquela que traz à vida.
E qual seria a aula de hoje? Apresentações das equipes relacionando o livro “Equador” com o filme “O Jardineiro Fiel”. Antes de começar a aula, uma das meninas do grupo de Alice, toda preocupada, veio me dizer que estava com medo porque achava que o seu grupo iria fugir do tema. E me perguntou se a “palestra” poderia acontecer mesmo assim... Eu falei que sim, mesmo porque eu havia deixado livre a forma de apresentação...

E eis que me “aparece a margarida”. E isso não é metáfora para marchinha de carnaval. O nome da palestrante era Margarida mesmo (e ela se apresentou como Guidha). Uma mulher de trinta, quarenta, sei lá quantos anos (e isso não vem ao caso)...
Uma artista plástica que nasceu e viveu em Angola, os horrores da guerra e que, por causa dela (da guerra), teve de fugir de seu país. Uma mulher que, aos quinze anos, deixou pai, mãe, irmãos, amigos, namorado (Sim, gente, eu tinha namorado! – ela disse com os olhos cheio de lágrimas) e foi para Lisboa para passar um mês. Mas, com a guerra “estourada”, ficou 559 dias (contados um a um – como ela disse), numa cidade estranha, com gente estranha, sem notícia da família, dos amigos, sem explicação alguma... E que passados os mais de 500 dias, teve de se refugiar com a família em outro país. E assim, atravessou os mares clandestinamente...
E aqui “aportou”... Hoje, em sala, apareceu-nos assim, de forma tímida e sorriso doce... Em suas mãos, uma boneca antiga (a única coisa que ela conseguira salvar de sua infância em Angola)
e algumas folhas, que ela segurava com as mãos trêmulas. Em seus lábios, uma voz calma, cheia de sensibilidade... E em seus olhos, lágrimas... E sobre o que ela falava? Guerras, destruição, abandono, abuso de poder, exploração, sangue, descaso...meninos sem pátria, sem ajuda, sem destino... Mas falava também sobre força de vontade, espírito de luta, garra, solidariedade, fraternidade... falava de sua gente, das mulheres lindas de seu país, do sorriso estampado nos lábios de seu povo...
Povo negro, tão diferente (de sua aparência branca) e tão igual, em sua essência “colorida”...
Mostrou-nos música, mostrou-nos fotos, mostrou-nos poesia... E nos fez viajar com ela até seu país de origem... Angola de sofrimentos, mas de saudade para essa mulher que, quase ao acaso, chegou até a Bahia...
Quando a palestra terminou, eu não tinha palavras... O grupo ainda queria “algo” para relacionar com o livro. E eu disse que não precisava. Mesmo assim, ainda colocaram um clipe (montado pelos integrantes da equipe), com músicas, imagens e palavras de sofrimento, mas também de esperança...
O clipe foi lindo. Mas não precisava. O grupo que pensou não ter relacionado nada com nada, simplesmente, deu-nos uma aula de vida. E tudo estava ali, completamente relacionado ao que eu pedira. Ou melhor, com a extrapolação necessária a quem tem asas, pensamentos e imaginação próprias.
Estou comovida com o trabalho da equipe. Com o trabalho de Guidha. E com o meu trabalho. Isso sim, pra mim, é Educação. E que bom que a cada dia aprendo com minha profissão, fazendo-me mais consciente de meu papel, aquele que eu tenho de “interpretar”, aquele que eu tenho de viver, e aquele que eu tenho de usar como forma de denúncia, explicação, carinho, entretenimento, ou homenagem.
E aqui fica a minha para essa artista plástica, mãe e cidadã do mundo, uma flor chamada Margarida.
Em suas próprias palavras: "O papel foi como uma trilha para descobertas, para voltas, reviravoltas, para idas e vindas, às vezes sem sentido... Foi trazendo as imagens que se perderam nas gargantas apertadas, nas esperas angustiantes, que descobri como tenho mãos amigas, abraços queridos, sorrisos de paz a me amparar...”
Obrigada, Guidha, pela flor que deu hoje a todos nós. Guardaremos com muito carinho...
(Adriana Luz – 28 de agosto de 2006)


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Amiga Adriana, a pedidos vou colocar aqui o texto que escrevi para essa "palestra"
 
 VOU INDO POR AÍ...
de Guidha Cappelo
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"Eu não vou falar para vocês de mais de um milhão de mortos durante uma guerra estúpida em Angola...
Não vou falar de milhares de MULHERES que enterraram seus maridos, seus filhos, porque não tiveram a mesma oportunidade que eu, de se refugiar em outro país... Também não vou falar das meninas negras que na época tinham a mesma idade que eu, e que foram estupradas, violentadas e mortas por soldados de Cuba e da União Soviética ou que eram oferecidas aos soldados angolanos em troca de um saco de feijão... Não!
Não vou falar das CRIANÇAS que tiveram como brinquedos, armas de madeira; como recreio, o estouro das minas escondidas nos quintais; como escola, a sombra das árvores onde alguém generoso, insistia em mostrar que havia uma esperança de liberdade, de vida, de alegria, de renovação e de AMOR!
Tão pouco falarei da dor dos MUTILADOS, mais de cem mil, que em busca de comida ou lenha, pisavam em alguma das mais de 11 milhões de minas enterradas em todo o solo angolano!
Vou falar de minha experiência direta!
Para isso peço que vocês fechem os olhos... respirem fundo e imaginem... Por algum motivo, com essa idade que estão agora, vocês têm de viajar sozinhos para os Estados Unidos, por exemplo, para passaram um mês...
Apenas 30 dias, senão as aulas começam e vai ser prejudicial para vocês! De repente você recebe um telegrama onde seus pais dizem que o Brasil entrou em guerra civil e por isso você deve aguardar até segunda ordem. Passa-se um mês e nada... você começa a se sentir sozinho... Dois meses e a solidão se transforma em agonia. As notícias só se agravam. Três meses e eu comecei a me questionar...
- O que está acontecendo? E agora? Estou perdida!
Estava na casa de um parente de meu pai em Lisboa que eu não conhecia com apenas 15 anos e já perdendo sonhos... Quatro, cinco, seis meses e a cada dia que passava, minha angústia aumentava... As notícias só pioravam... Por onde andarão meus pais... meus irmãos... meus professores... meus amigos... minha melhor amiga... meu namorado? É! Eu tinha um namoradinho também...!

E cada vez mais isso foi ficando distante... fui perdendo a coragem, a alegria, a identidade, junto com meu sonho de ser uma jogadora de basquete e uma artista plástica...
Chorava de saudade, de medo , de dúvida. O que seria que Deus tinha em mente, para me fazer tamanha crueldade...
Até que depois de esperar 559 dias de angústia, de tristeza, de vazio, o telefone toca e ouço a voz da minha mãe! Fiquei MUDA! Ela estava no aeroporto de Lisboa! Meus irmãos tiveram que fugir pelo deserto para a África do Sul e meu pai atravessou o Atlântico e veio parar em Porto Seguro.
Depois de muito sofrimento nos campos de concentração sul-africanos, meus irmãos foram liberados para irem para Lisboa. E enfim, conseguimos reunir a família, primeiro na ilha da Madeira, na casa de minha avó e depois aqui vindo ao encontro de meu pai. Há um ano atrás, através de um site de busca de angolanos, consegui reencontrar a maioria de meus amigos, vizinhos, alguns professores e meu primeiro namorado!
Soube que muitas amigas minhas, inclusive a minha melhor amiga, por causa do sofrimento, se envolveram com drogas e bebidas... e esta acabou morrendo... Comigo, meu desespero fez com que eu me isolasse do mundo, evitando tomar conhecimento das notícias que vinham de lá, muitas vezes entrava em depressão, chegando até a tentar o suicídio, mas graças a Deus fui socorrida a tempo, o que não aconteceu com dois amigos meus.

Perdemos TUDO! Nossas casas, nossos bens, nossos amigos, nossa identidade, nossa raiz!
Ninguém sobrevive a uma guerra sem ser marcado a ferro e fogo... ninguém sai sem traumas... ninguém é mais inteiro!
Eu criei uma resistência para planejar o que quer que fosse! Apenas deixava a vida me levar.. Ainda vivo o dia de hoje, como se não houvesse o amanhã, como se fosse o primeiro, como se fosse o último também!
Inconscientemente me apavorava fazer planos para o futuro pois sabia que poderia ser tudo em vão... meu futuro era até amanhã... Criei também uma amnésia que eu chamo de Amnésia de defesa, não lembrar significava não sofrer. Mas agora estou recuperando, aos poucos minha história, minhas lembranças, através dos meus amigos... Só os pesadelos ainda me atormentam...
Às vezes acordo sobressaltada, com um sentimento angustiante... sem saber aonde estou... se em Angola, Portugal ou Brasil... Sempre falo que toda dor tem um lado bom, pelo menos de crescimento, amadurecimento, sabedoria...
Mas não me perguntem qual o lado bom de uma guerra...
Eu só vejo, dor, desespero, sangue, tristeza, doença, separação, sangue, perdas, violência, atraso, sangue, sofrimento, diáspora, fome, sangue, abuso de poder, destruição, lágrimas, mutilações, sangue, sangue, sangue, sangue, MORTE!
Não me perguntem quem sai ganhando com uma guerra...
Eu não consigo...
Eu não sei responder!

Última foto tirada em Angola.
Mariazinha, Dido e Guidha.
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TEXTO ESCRITO DURANTE A FUGA
DA CIDADE DE MOÇÂMEDES – GUERRA DE ANGOLA – 1976 ( por um amigo)
CARTA A UM AMOR PERDIDO

Estamos em Janeiro de 1976, após vários meses de entendimentos, acordos e desacordos, entre os movimentos de libertação e liderados por homens de educação colonial e solidificada sob princípios católicos.
Nesta altura só existe desacordo e desentendimento... a “guerra civil” está no auge... mortes e sofrimento. O tempo aquece nessa parte da África junto ao deserto do Kalahari...
10 de Janeiro de 1976, nove horas e quarenta e cinco minutos, surge a notícia de se ter de abandonar a cidade devido à invasão por parte de um dos movimentos, e da previsão de grandes baixas por parte da população.
Rapidamente deixamos nossas casas e haveres, e embarcamos num navio (Silver Sky) que se encontra atracado no cais de Moçâmedes para que este nos leve por alguns dias, até algumas milhas afastadas da costa.
Para trás ficam alguns amigos, familiares... e inconscientemente muitos sonhos por concretizar. Mas havia a esperança de voltar...
Será que alguém pode imaginar uma multidão desorganizada procurando num curto espaço de tempo preparar sua saída, dando prioridade a algumas coisas (poucas) e preterindo outras (muitas) que à partida pareciam de pouca importância? Longe, muito longe de nossa linda cidade entre o mar e o deserto dentro de um navio muitos jovens aguardam pelo sinal de regresso, esperançados de voltar, de poder continuar a sonhar e construir seu futuro. Nossos pais desgastados de uma vida de trabalho, tudo deixam para trás e as lágrimas rolam por rostos enrugados pelos sacrifícios de uma vida.
... Infelizmente as notícias não são boas.
Teremos que definitivamente sair daquelas águas de “expectativa” partindo para outras de “incertezas” e de muita tristeza. Levantamos ferro e zarpamos para as terras do sul da África...
Aí nossos corações ficaram apertados, e aqueles jovens sonhadores com uma vida pela frente emudecem, ficam cabisbaixos, seus semblantes tornam-se pesados... O amadurecimento precoce de suas vidas tem início de uma forma abrupta... estúpida...
Amanhã atravessaremos algumas léguas de deserto de águas. É tão quente, como se o sol queimasse o nosso corpo. Às vezes os rapazes deliram, enxergam coisas no horizonte e falam como loucos. E é sozinho, à noite, que me pergunto se isto não é o inferno...
É quando me agarro à foto dela como única coisa que ainda me segura neste mundo e impede de enlouquecer.
Queria voltar para casa, por que já nem sei pelo quê estamos vivendo.
Consigo sentir o cheiro dela quando sonho que estamos juntos, sinto seu cabelo emaranhado no meu pescoço e o calor da sua respiração. Mas são tão rarefeitos estes momentos. Olhei para as últimas linhas do horizonte e sabia que não eram linhas de esperança, mas de despedida. De fim...
E sinto-me perdido, como se toda a minha vida estivesse à deriva.
Agora pergunto...?
Dr. Agostinho Neto, Dr. Jonas Savimbi, Dr. Olden Roberto
Por acaso sabem o desperdício de potencial humano que vocês homens letrados deitaram fora de nossa terra?
Podem nos dizer que quantidade de órfãos, viúvas e mutilados, provocaram com vossa ganância?
Têm a noção de quantas famílias se separaram , quantos sonhos destruíram e o mal que provocaram ao nosso querido país? ... E a mim que chorei lágrimas amargas por quem a seu tempo não soube valorizar, trocando e desprezando meu grande amor e não tive a chance de desfazer meu erro... porque nos perdermos dentro dessa diáspora... nos perdemos dentro dessa insanidade que foi a guerra...
Sinto muita falta dela... dos olhos dela...
Estou vazio... virei um homem sem sonhos...
A vocês, meus líderes, vos confesso...
Nada tenho a perdoar... A história se encarregará de vos julgar.
Porque vocês são a história do meu país, vocês destruíram a linda história do nosso país, onde mora meu coração.
Hoje, analisando os já muitos cabelos brancos, fazendo uma pausa, olhando para trás, verifico que tu Senhor sempre esteve comigo... Que provações que me fizeste passar, foi para que eu pudesse crescer... E para que, nesta ponta final de nossas vidas, a tua vontade fosse soberana e se concretizasse o meu maior desejo...
Reencontrar a minha eterna “Namorada” e receber dela o perdão de ter soltado a sua mão, naquele dia fatídico...
Naquele dia 10 de janeiro de 76, o vento soprava mais forte, levando consigo a areia fina do meu deserto... e junto, os meus sonhos.
Uma areia que vai e não volta jamais.
É quando se fecham os olhos,
Se cerram os punhos,
É quando caiem as cortinas.
Teu eterno Príncipe Mucubal"

domingo, 30 de maio de 2010

Retornados, espoliados do Ultramar: Discurso do Prof. Dr. Adriano Moreira

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Meus Amigos, minhas Senhoras e meus Senhores:

Começando por agradecer a honra que me deram de, mais uma vez, me convidarem para presidir ao vosso Congresso, queria corresponder ao convite dizendo algumas palavras de encerramento desta sessão tão importante para a vida portuguesa.

E o primeiro ponto que gostaria de abordar é o seguinte: constantemente, sempre que um período agudo da vida política portuguesa se declara, os problemas do que foi o Ultramar Português e os problemas dos deslocados, retornados e espoliados voltam ao debate público e a mim parece-me que são interesses excessivamente importantes para que sejam lembrados ou esquecidos ao sabor das conveniências dos debates eleitorais.

Os deslocados, os retornados, os espoliados, são êles próprios a expressão viva duma amputação dos interesses nacionais e são eles próprios que devem, como têm feito, manter a iniciativa e a autonomia da defesa da restauração de dignidades que foram ofendidas, de interesses que devem ser reparados, mantendo uma autoridade que lhes não pode ser negada em relação aos intervenientes nos pleitos eleitorais porque são eles que precisam do apoio, do julgamento, da adesão, dos que foram vitimas dum processo descontrolado, não são eles que podem trazer qualquer benefício ou conforto àqueles que aqui estão representados.

Queremos que essa dignidade seja respeitada, trata-se de uma situação de injustiça, trata-se da representação viva de um acontecimento fundamental na vida portuguesa, são os senhores que representam e assumem isso, é um valor permanente, não está dependente das contingências e interesses eleitorais.

O segundo ponto que gostava de sublinhar: constantemente, o julgamento do processo da chamada descolonização é trazido à consideração pública e certamente não é difícil atribuir às emoções de quem esteve envolvido no processo, porque não lhe foi dado participar nas decisões, os julgamentos tão frequentemente e fundamentalmente condenatórios dos caminhos que esse processo seguiu.

Simplesmente acontece que foi hoje aqui citado por um dos oradores o director geral da UNESCO, Sr. Federico Mayor. Esse director geral da UNESCO publicou um livro importante que se chama « Manhana siempre es tarde» (Amanhã é sempre tarde). Esse livro faz a síntese daquilo que é hoje a situação dos territórios onde vários países e nós, tiveram responsabilidades colonizadoras.

O inventário das carências é aterrador. Há regiões em que nós exercemos o poder onde morre uma criança de fome por minuto! Não somos nós que precisamos hoje de fazer a contabilidade dos resultados. A contabilidade está feita com autoridade, designadamente, por este citado director geral da UNESCO.

É necessário reconhecer que, à margem dos responsáveis pelo processo político, em que os senhores não participam, a retirada a que foram obrigados os colonos, significou a retirada das traves-mestras em que assentavam a regularidade da vida civil dos territórios.

Quando se lê o livro, este livro de Federico Mayor, nós sabemos que em relação a cada uma daquelas calamidades da vida civil que ali se encontram, a cada uma das carências enormes, inimagináveis, que afligem aquelas populações, na base disso está, indiscutivelmente, o vazio que foi deixado pela retirada de cada um dos senhores. E, por isso, me tem parecido que não é de mais dizer e sustentar: nós podemos fazer, e devemos fazer, um julgamento do processo político português; os aparelhos políticos têm de tomar as suas responsabilidades em relação a cada época; mas, a presença portuguesa nesses territórios, a organização da sociedade para enfrentar os desafios do mundo moderno em que esses territórios estavam a integrar-se, a criação da sociedade civil que estava em curso, isso não foi obra dos políticos, não foi, fundamentalmente, obra dos políticos, foi obra da gente que está aqui e que não tinha responsabilidades políticas.

E é por isso que, todos os que tivemos responsabilidades no aparelho político , eu também, julgo que devemos ser humildes perante os desafios a que nenhum de nós foi capaz de responder.

Cada um tem de Ter a atitude de assumir a incapacidade de ter enfrentado esse desafio, mas não pode somar ao facto de todos terem sido excedidos pelos desafios, a passividade perante a possibilidade de ainda reparar as injustiças que estão vivas, as injustiças de homens vivos que ainda está ao nosso alcance reparar, aqui e lá.

E é por isso que, embora não me reconheça nenhuma autoridade para o fazer, pela circunstância de me terem dado a honra de presidir a este Congresso, eu me atrevo a dizer que merece reconhecimento público o trabalho cívico que tem sido feito pelas vossas Associações e sobretudo o sentido de responsabilidade com que têm sempre actuado, porque a maior parte dos senhores, que viu ruir o trabalho de uma vida inteira, que viu desaparecerem as perspectivas e as esperanças de uma vida totalmente dedicada ao trabalho naqueles territórios, não se tem movimentado nunca ao sabor das paixões das conjunturas portuguesas --- tem continuado a dar aqui o exemplo da responsabilidade em função dos interesses nacionais e eu penso que este Congresso é mais um exemplo dessa capacidade serena de enfrentar o infortúnio e os tempos afortunados, mantendo o animo para todas as circunstâncias.

E, por isso, espero que o movimento seja recompensado, que os resultados venham corresponder aos esforços devotados com que todos contribuíram para a tarefa que os novos tempos, e o tempo que já passou e que nos permitiu esquecer algumas amarguras, ser mais benevolente para com algumas injustiças nos ajudem a reparar que, entretanto, alguns vão caindo e que acontece a este combate que quanto mais tempo dura, mais diminui a causa dele porque as pessoas vão desaparecendo.

Que se reconheça que, neste momento em que temos esperança de que venham a estabelecer-se outros padrões na nossa vida internacional, caminhemos para uma sociedade mais pacífica, mais cooperante, menos conflituosa, em que o regresso de Portugal a África se possa fazer em novos moldes, porque, o que ruiu foi um sistema político que tínhamos, não ruiu a área em que nós actuámos, e que nós criámos, e que nós identificámos. Que neste momento, em que um dos valores portugueses que são postos em evidência é o do nosso capital de experiência em relação a esses territórios, se reconheça que grande parte dessa experiência está viva, está aqui, e está disponível para servir o País.
Tirado Daqui

SALAZAR NÃO FOI CHEFE DE FAMÍLIA

A maior diatribe ao angélico regime de Salazar, uma das ficções da nossa vida colectiva, li-a ontem no diário lisboeta, “Correio da Manhã” (17 de Outubro 1994) num texto intitulado “O Estado Português é o único responsável pelas indemnizações “ (aos portugueses que foram espoliados de seus bens em terras africanas). Ângelo Soares, um dos milhares de espoliados, traz a sua fotografia a ilustrar o reivindicativo e acusatório texto e por debaixo de sua efígie de homem setentão aquelas palavras, expressão sua, que reputo o tormento à paz de Salazar no tranquilo cemitério de Santa Comba Dão, mesmo juntinho ao jazigo da mulher amada (são cinco palmos mal contados). È o que perturba o idílio além-tumba. Ela , uma Perestrelo Botelheiro, lhe dirá : “Por não teres constituído a família é que se desfez o teu império !” As palavras magoadas de Ângelo Soares soam tristes deste modo desesperado: “A situação teria sido diferente se, como potência colonizadora assumida, o que não foi o caso, o Estado português nos tivesse prevenido, desde sempre, de que estávamos a colonizar, e que deveríamos acautelar os nossos bens no exterior... “

A culpa foi do Estado e de quem o governava. A culpa foi de quem imprimiu a definição e a propalou até à fadiga. À cabeça, António de Oliveira Salazar. Ao princípio do velho “Estado Novo”, logo nas suas masculinas alvoradas de braços esticados, o mestre de Economia da universidade coimbrã pública, em 1930, o Acto Colonial. Era dar o nome justo às coisas. O Ultramar era constituído por colónias. As palavras não devem ser profanadas. As palavras são as roupagens das realidades e devem obediência a estas. Chamar cão a um gato não transforma o gato em cão. As palavras têm por missão traduzir o mundo e fazê-lo comunicar, não o de esconder mundo e mal informar. Mas o tempo perverteu o inicial realismo de chamar as coisas pelo seu justo nome. Salazar começou a ser poeta e produziu uma tenebrosa metáfora. A certa altura deixou de chamar colónias às colónias (estas ficaram espantadas com a súbita mudança, porquê ?) e passou a tratá-las como vizinhas de cá, parentes muito chegados, num tu cá tu lá que cristalizou na expressão eufemística de “províncias ultramarinas”. O delírio nominativo considerava tão portuguesa a província do Algarve quanto a da Guiné, tão lusitana a do Minho quanto a de Angola ou Moçambique. O mundo é que estava errado. A geografia era um sonho. Angola confinava com o Algarve e a Índia com Trás-os-Montes. Este é que era o mapa cor-de-rosa que o outro fora o vermelho da vergonha. Salazar nunca pisara “tierras calientes “ africanas, asiáticas... nunca sentira na pele as estruturais diferenças. Era tudo Portugal do rio Minho a Timor, sem ter de vencer milhares e milhares de quilómetros e aquelas distâncias bem maiores entre povos diferentes (não se usa a abalada expressão primitivos, pois aqui na Europa não bárbara também o somos). Esse espaço de terras e gentes, fossem quais fossem os quadrantes, reduzia-os Salazar à progenitura de um ventre comum, a parir terra e pessoas tão portugueses em Amarante quanto no Huambo ou Inhambane. Havia um ventre comum. Salazar delirava com esta família universal, todinhos vestidos de igual portugalidade. Ele não fizera família e inventou a cósmica do Ultramar Português, das províncias de Ultramar, em que os angolanos eram minhotos e minhotos os pretos de cá, numa perfeita identidade. A metáfora era já realidade à força de tanto badalo, discurso, proclamação. Querer é querer crer. Salazar quis crer no que imaginara. O Ultramar eram um mero prolongamento de Portugal e tão Portugal quanto esta terrinha à beira Atlântico deitada. Oh tanta poesia! Ângelo Soares é uma voz plural. È um sentimento contra essa falsificação. É a dor de um despertar tardio. Tivesse Salazar chamado colónias ao que colónias eram e não pululariam os convictos de tanto Portugal aqui como lá ! Este Ângelo Soares tem imensa razão, dolorosa razão. Todo o acordar de um sonho é um quebranto de ânimo, um difícil retornar à realidade. Eu lembro o caso de uma amiga minha, de Pinhel, filha de um colega de meu pai, o fino, culto e saudoso Dr. Alexandre Nápoles de Mettelo Seixas. Dois meses antes do 25 de Abril de 1974 ela vendera propriedades em Portugal para adquirir um apartamento num prédio de Lourenço Marques (Maputo). Era das que dizia: “Aqui é Portugal, isto não é uma colónia, isto é uma província e entre Pinhel e Lourenço Marques não existem diferenças”.

A sua confiança era ilimitada e fruto directo da metáfora salazarista (não há colónias, há províncias). Dois meses depois ela chorava. Acabara de despertar o som dos acordos de Lusaka. Uma mentira criara todo este optimismo. Como Ângelo Soares tem razão histórica! Como é verdade o que ele diz, como se um grito de milhentas pessoas anunciasse esta verdade, o dardo contra Salazar: “A situação teria sido diferente se, como potência colonizadora assumida, o que não foi o caso, o Estado português nos tivesse prevenido, desde sempre, de que estávamos a colonizar, e que deveríamos acautelar os nossos bens no exterior...” A tal metáfora não passava de um conto do vigário em grande. Todo o conto de vigário especula com a espontânea ingenuidade dos que se deixam embalar com historietas, miragens, distorções.

O mal de tudo, a razão primeira e explicativa do fenómeno, radica em que Salazar criou a poética e fatal metáfora por não ter constituído família, por não Ter sido pai de filhos para sustentar, criar e pôr na vida como independentes (a ordem natural, gerar para os filhos serem outros pais).

Gosto de demonstrar o que digo. Há um génio da Península, mal conhecido em Portugal. Nasceu em Granada, em 1865, e suicidou-se em Riga, Letónia, onde era cônsul, no ano de 1898. O seu génio auscultava o futuro porque conhecia bem o passado e não era homem preso ao “momento”. Chamou-se esse poderoso escritor e pensador, Ángel Ganivet. Que pena o seu “Idearium espanhol” (1897) não ter caído nos olhos dos leitores de Salazar! À razão de não ter casado juntou-se a razão de não Ter lido este santo suicida, de alma extraordinária. As duas razões geraram a Salazar a impune metáfora de “províncias ultramarinas”. Pois não sentiu uma coisa primária: tudo no planeta é família, são famílias, há pais e filhos e esta ordem de gerações é que cria o comparativismo para a própria acção política.

Ángel Ganivet lavrou esta beleza de verdade e de rigor: “Há quem julgue que o termo fatal da colonização é a emancipação das colónias. A meu ver, este conceito é teórico. Também os filhos podem emancipar-se, se os códigos estabelecem quando e como se perde o poder paternal; e, todavia, muitos filhos não se emancipam nunca, nem sequer eles pensam na emancipação.

Passam de um estado civil a outro diferente, sem notar a diferença, e a ninguém se lhe ocorre esperar que chegue o dia marcado pela lei para dizer ao seu pai: “A partir de hoje cessou o exercício de suas funções que até aqui tem vindo a desempenhar.” Apenas em casos extremos se regem os homens pelo texto das leis e apenas em casos extremos lutam as colónias por conquistar a sua independência. Se mercê de uma política hábil, e mais que hábil, desinteressada, se mantém a devida unidade de ideias e sentimentos entre a metrópole e as suas colónias, se pode aplicar sem perigo e regime autonómico, que conduzirá, não à emancipação, mas à confederação das colónias autónomas com a sua metrópole; e desta forma, a autonomia não será um primeiro passo para a emancipação, será o começo de uma união mais íntima, conseguida mediante o sacrifício disso que eu chamo a dominação materialista. Mas delicadezas políticas nem sempre são práticas, porque requerem o concurso de homens especialmente educados para tão difíceis trabalhos, e nem todas as nações possuem homens desta classe. Se se implanta um regime autonómico e se se continua a fazer uso de velhos procedimentos governativos, o fracasso é seguro, e antes de chegar a ele é preferível, ou o domínio franco e firmemente sustentado, ou a emancipação franca e legalmente outorgada.

Nem todas as nações possuem homens desta classe! Como Ángel Ganivet foi bruxo! Como sentiu a humanidade uma família mas com deveres de família, não com a simulação de parecer famílial. Como ainda poderia haver Portugal por Africas e Índias e Oceanias e Ásias se visão não fosse a poética e falsa mas a realista de se chamar às coisas os seus próprios nomes! Como é este crítico Ângelo Soares o maior historiador do nosso passado recente já que os outros não sabem ver e se regem por outras abstracções! Como ele deixa Salazar desamparado na sua cova! Como finalmente vamos ter paz por se compreender as razões!
Ángel Ganivet atirou-se às águas geladas do Dwina. Nós recobramos vida com os seus conceitos formados do próprio sangue da vida, algo que tantos e tantos “políticos” desprezam...

Lá no cemitério de Santa Comba a namorada também se sente compungida. Outro galo teria cantado a Portugal se tivessem casado, se tivessem filhos...


Por: JOAQUIM de MONTEZUMA de CARVALHO
(In Jornal Correio da Manhã 04/12/1994)

Política das indemnizações de outros países em relação aos seus espoliados do Ultramar

DR. A. M. COSTA BORGES

Coube-me na última das intervenções programadas deste Congresso falar de política de indemnização de espoliados do Ultramar assumida pelos restantes países europeus.

Com efeito ficaria incompleto todo o trabalho dos demais ilustres intervenientes que me antecederam se não houvesse a preocupação de enquadrar o drama dos nossos espoliados do Ultramar no âmbito mais geral e que tem sido o do refluxo dos europeus aos seus países de origem em virtude das novas condições de vida internacional.

O último fenómeno da descolonização foi europeu e em todos os casos se verificaram situações de espoliados e de confisco de bens de europeus que à sombra da soberania do Estado descolonizador se tinham decidido a radicarem-se em territórios coloniais.

Podem citar-se como exemplos de descolonização particularmente dolorosos o da hoje Indonésia pêlos holandeses, do Kenya pelos ingleses, da Somália ou da Eritreia pêlos italianos.

As potências colonizadoras, em todos estes casos, e particularmente nas situações de mais acentuada emergência, sempre manifestaram o intento de indemnizar, na medida do possível, os respectivos cidadãos pêlos prejuízos sofridos num processo em que, de qualquer forma, os respectivos Estados tinham detido a autoria e daí a respectiva responsabilização.

E tudo isto decorreu à luz de um principio que é hoje dominante no Direito Internacional e ao abrigo do qual cabe ao Estado Descolonizador a responsabilidade de indemnizar os seus cidadãos pêlos prejuízos sofridos com a descolonização.

Há muito tempo já que se encontrava postergado o velho princípio romanístico da irresponsabilização do Estado.

Compreende-se bem que assim seja não só porque o Estado tem vindo a desempenhar um papel sempre mais vasto no campo económico, no social e no humanitário, mas principalmente porque o Estado Moderno também obedece ao princípio da legalidade.

A esta luz compreende-se e aplaude-se a política seguida pela Grã-Bretanha que no momento do regresso dos seus nacionais procedeu a uma indemnização completa pela totalidade dos prejuízos sofridos, isto é 100% dos respectivos valores e mais 25% como compensação complementar.

Também a Alemanha Federal enveredou pela indemnização dos seus cidadãos espoliados em países do terceiro mundo, tendo tido o cuidado de lhes dispensar o mesmo tratamento que o tido para com milhões de alemães refugiados dos territórios de Leste. E foi assim que doze milhões de alemães se integraram de imediato e vantajosamente no que é hoje um dos países mais ricos da Europa.

Claro que não encontramos associações de defesa dos interesses dos espoliados ingleses ou alemães, e não encontramos pela simples razão de que foram justa e devidamente indemnizados.

A generalidade das outras nações europeias não seguiu esta política e em todas elas surgiram associações de espoliados que tiveram que travar uma longa e árdua batalha para que os respectivos Estados viessem a adoptar uma política de indemnizações.

A Holanda foi, deste grupo de nações europeias, a que procurou, com maior rapidez, adoptar uma política similar à inglesa e hoje também, salvo um caso ou outro muito especial, já indemnizou os seus espoliados.

A Bélgica tem procurado indemnizar os seus espoliados e com esse objectivo teve o cuidado de firmar um acordo com o Zaire que se traduziu na criação do “Fonds Belgo-Congolais d'Amortissement e Gestion”.

Para além desta realidade refira-se que logo pela LEI de 14 de Abril de 1965, se procurava organizar a intervenção financeira do Estado a fim de ressarcir os prejuízos causados aos bens dos cidadãos belgas no Zaire, preocupação que mereceu a nível jurisprudêncial o ARESTO de 13 de Julho de 1965, interpretativo, mas amplamente interpretativo, do normativo citado e a LEI de 5 de Janeiro de 1977, actualizou não só aquela lei como a demais legislação anterior que por muito fragmentária não se invoca aqui.

A Itália tem feito justiça à imagem de grande e civilizada nação que todos dela temos e por consequência já iniciou, e há muito tempo, a política de indemnização dos seus cidadãos espoliados no Ultramar.

O DECRETO-LEI N.º 622 de 28 de Agosto de 1970, bem como a LEI N.º 744 de 19 de Outubro do mesmo ano e ainda a LEI N.º 16 de 26 de Janeiro de 1980 constituíram a moldura legal onde se inseriu a já famosa LEI N.º 135 de 5 de Abril de 1985, ou lei de Bettino Craxi e pela qual se tornaram a avaliar 60 rnil processos de italianos espoliados em 27 países estrangeiros, aí compreendidos Angola e Moçambique, concedendo a cada espoliado o pagamento imediato de indemnizações até 20 milhões de liras (1.900 contos) e para outras indemnizações (sem qualquer limite) o pagamento de 50% em dinheiro e 50% em títulos do tesouro com o juro de 12% livres de impostos ou outros ónus e encargos e pagáveis semestralmente.

Os italianos que connosco viveram em Angola e Moçambique já receberam ou estão a receber indemnizações pelo valor dos bens aí perdidos mas com um coeficiente de revalorização e que é correspondente à época da perca dos mesmos e isto diz tudo quanto à iniquidade e flagrante injustiça de que nós somos vítimas.

A França, chamada por alguém a própria pátria da cultura e coração da Europa, não podia ficar alheia ao sofrimento dos seus filhos.

A LEI N.º 61-1439 de 26 de Dezembro de 1961.

A LEI N.º 69-992 de 6 de Novembro de 1969.

A LEI N.º 70-623 de 15 de Julho de 1970.

O DECRETO-LEI N.º 77-1010 de 7 de Setembro de 1977.

A LEI N.º 78-1 de 2 de Janeiro de 1978, e

O DECRETO N.º 78-231 de 2 de Março do mesmo ano são prova do cuidado e da preocupação do Estado e dos seus governos em resolver os problemas de que os seus espoliados foram vitimas inocentes.

Apesar das indemnizações entretanto atribuídas e que para maioria dos espoliados representava 30% dos bens perdidos, a França não se podia encontrar satisfeita consigo própria e pela LEI N.º 87-549 de 16 de Julho de 1987 seguida pela LEI N.º 87-900 de 9 de Novembro do mesmo ano e da CIRCULAR de 26 de Janeiro de 1988, vem proporcionar aos espoliados franceses um complemento da indemnização.

A Grécia e a Suíça também se encontram empenhadas em indemnizar os seus nacionais.

Não se pode aceitar que neste caso a singularidade do comportamento que o Estado Português tem vindo a assumir através dos seus sucessivos governos porque é injusto e até prejudicial.

Já o referimos mas não é demais repetir de que a assumpção pelo Estado Português da política de indemnização dos seus espoliados no Ultramar é, antes de qualquer outra consideração, uma política da mais elementar justiça visto que é ao Estado Descolonizador, e só a ele, que cabe a responsabilidade indemnizatória porque se quis a descolonização terá também que arcar com as suas consequências “UBI COMMODA, IBI INCOMMODA”.

E não é fatal nem é desejável que essa política implique num maior sacrificio da economia portuguesa.

É desejável à semelhança do que fez a Itália, o recurso judicioso à entidade creditícia europeia, o BEI ou a possíveis organismos comunitários ou ainda e com o recurso das mesmas entidades constituir-se um Fundo Europeu ou Nacional para a indemnização dos espoliados como já propôs o Presidente Lanaspre.

Assim se permitiria a consolidação da débil estrutura financeira portuguesa e se reforçaria acentuadamente a malha empresarial porque se propiciaria o recurso pleno de um incontável número de portugueses agora sub-aproveitados mas com provas já dadas na construção económica de outros países que por sua causa falam português. E é preciso andar depressa porque 1992 é já amanhã.

Indemnize-se, destarte, já, os espoliados porque todos nós, o país e a comunidade têm que vencer mais este desafio.

quinta-feira, 27 de maio de 2010